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domingo, 29 de maio de 2011

Direito à diferença e direitos humanos

4/05/2011 - 09:32 - Atualizado em 24/05/2011 - 09:40
Joumana Haddad: "Há outra mulher árabe, que luta por liberdade"

Joumana Haddad escreve poemas eróticos e edita uma revista censurada em diversos países árabes. Poeta, tradutora e jornalista, ela diz que não deixa o Líbano porque deseja continuar lutando para mudar as condições de vida da mulher árabe

LAURA LOPES
Joumana Haddad não é uma mulher comum. Libanesa, ela luta contra os clichês e estereótipos negativos que o Ocidente criou acerca da mulher árabe, mas jamais aceitou a opressão da cultura muçulmana. Para ela, que teve acesso aos autores mais proibidos do Islã desde criança – como Marquês de Sade, Balzac e Victor Hugo –, patriotismo é absurdo e ingênuo porque as pessoas nascem em um mesmo país por pura coincidência. Ela odeia a unanimidade, a "mentalidade de rebanho", mas acredita que ser diferente só por ser diferente é um folclore bobo. "Não preciso parecer um homem para ser uma mulher. E não preciso estar contra os homens para ser a favor das mulheres", escreve.
Poeta, tradutora e jornalista (é editora do jornal An-Nahar), Joumana criou a revista Jasad (que significa "corpo", em árabe), proibida em quase todos os países árabes. A publicação fala sobre os tabus relacionados ao corpo e à sexualidade, além de cultura, literatura erótica e ensaios fotográficos. Há cerca de dois meses, ela lançou no Brasil o livro Eu matei Sherazade (editora Record, R$ 29,90), no qual conta como se impôs e venceu num mundo opressivo e majoritariamente masculino, da cultura muçulmana. Para ela, "ser árabe é como dar murro em ponta de faca. E não é possível destruir essa faca com o que é de fora. A mudança não é um produto 'importável'", escreve. É por isso, então, que continua a morar no Líbano. Com uma linguagem engraçada e despretenciosa, ela fala sobre o impacto libertador da literatura em sua vida pessoal e intelectual. Joumana lê desde pequena, e também escreve desde pequena. O primeiro poema foi aos 12 anos. Aos 40 anos, publicou vários livros, inclusive de poesia erótica, quatro deles já traduzidos para o francês, italiano e espanhol. Confira a entrevista que esta árabe atrevida, que virá ao Brasil em novembro, para a Fliporto (Festa Literária Internacional de Pernambuco), concedeu a ÉPOCA.
 ÉPOCA – Como é a vida da mulher árabe média, a mãe de família que não é subjugada pelo marido nem pela religião, e também a vida de quem luta, critica e tenta se libertar do Islamismo radical?
Joumana Haddad –
Há muitos tipos de mulheres árabes que vivem diferentes vidas. Algumas são realmente oprimidas, enquanto outras se esforçam pela emancipação e lutam por uma vida melhor, para elas e outras mulheres. Obviamente, a primeira categoria representa a maioria, infelizmente. Mas isso não anula o fato de que há outra mulher árabe, e que ela está participando de uma luta magnífica. Ela merece a atenção do Ocidente, a fim de equilibrar todos os clichês e estereótipos negativos que existem no mundo sobre a mulher árabe. ÉPOCA – Você diz que o patriotismo cega, que ele é a expressão de um romantismo ingênuo. Aqui no Brasil, muitas vezes somos acusados – pelo próprios brasileiros – de não sermos patrióticos, de valorizar demais o que é estrangeiro. Qual seria um meio termo positivo no meio desses dois extremos? Joumana – Eu penso que nós nascemos em um mesmo país por pura coincidência. Nós nascemos sob uma religião em particular também por coincidência. Estas são identidades herdadas, nós não as escolhemos. Então é muito importante que nós as questionemos em um certo ponto de nossas vidas e decidamos por nós mesmos quem e o que queremos ser. Nesse sentido, eu acho que o patriotismo é ingênuo e absurdo. Eu prefiro amar, adotar e pertencer a todo o universo em vez de pertencer apenas a um lugar. ÉPOCA – O que exatamente é publicado na Jasad? Textos e artigos culturais sobre o corpo em geral? Literatura erótica? Ensaios de foto? Joumana – Tudo isso que você mencionou é publicado na Jasad, assim como reportagens sobre tabus relacionados ao corpo e à sexualidade nas sociedades e culturas árabes atuais, temas como virgindade, homossexualismo, poligamia etc.  ÉPOCA – Ao lançar a Jasad, em 2008, você disse que recebeu inúmeros emails e cartas com críticas pesadas (dizendo que você era imoral, pecadora, corrupta e corruptora, depravada, decadente, criminosa etc, e até que você deveria ser queimada com ácido...). Mas que essas críticas só serviram para te deixar invulnerável a elas. Que tipo de represália você sofre ou sofreu no meio intelectual e pelo poder político e religioso do Líbano? Joumana – A resistência à Jasad é muito menor agora, porque ela se provou ser um fato, uma realidade que não por ser cancelada. Obviamente ainda há muitas pessoas que a consideram pecaminosa e imoral, e eu ainda recebo minha dose diária de insultos. Mas desde o começo eu decidi não ser intimidada por esses ataques, porque eu estava apaixonada pelo projeto, e convencida de que ele era necessário. Por outro lado, a revista tem um bom número de apoiadores, talvez não publicamente, porque as pessoas ainda têm medo das condenações sociais e religiosas. Mas muitas mulheres e homens me mandam emails de suporte todos os dias, me agradecendo por ter criado a revista. É daí que vem parte da minha força e perseverança.  ÉPOCA – Por que você acha que a Jasad não foi censurada no Líbano?  Joumana – A Jasad foi censurada em quase todos os países árabes que você possa imaginar, até o site da revista foi bloqueado em alguns países. Mas ela não foi censurada no Líbano por duas razões principais: primeiramente, o Líbano goza uma maior liberdade de expressão do que a maioria dos outros Estados árabes. E, segundo, eu tive a sorte de ter sido protegida pelos ministros da Informação e do Interior, intelectuais iluminados que acreditam nos direitos humanos e os defendem.  ÉPOCA – Você não quer deixar o Líbano, mas vive viajando. Qual é a sua relação com as culturas ocidentais e orientais e como usa isso em sua luta diária contra a condição da mulher árabe em seu país?  Joumana – Eu me considero uma cidadã do mundo no sentido literal da expressão. Eu pertenço a muitos lugares ao mesmo tempo, mas eu pertenço a mim mesma em primeiro lugar. Eu sou meu país e minhas raízes, então eu carrego o mundo comigo e dentro de mim onde quer que eu vá. Eu viajo porque eu estou sempre com sede de descobrir novas pessoas e culturas, e porque eu acredito que essa interação é o que dá verdadeiro sentido à vida. Eu não suporto pessoas que têm a cabeça fechada. Para mim, vida é uma série infinita de janelas abertas e horizontes sem fim. E, se eu estou no Líbano, não é por causa das coisas de que eu gosto, mas por causa das coisas de que eu não gosto e gostaria de contribuir para mudá-las.  ÉPOCA – A sua posição não é contra uma religião, mas contra o radicalismo criado por ela, que castra as liberdades e impõe comportamentos destrutivos... Joumana – Sou realmente contra religião, e contra a doutrinação, a ideologia e o inevitável integralismo que ela carrega. Meu Deus é minha liberdade. Meu Deus sou eu mesma e as pessoas que amo. Eu sou muito espiritual, mas muito anti-religiosa, especialmente desde que eu me convenci que as três grandes religiões monoteístas não têm feito nada além de dividir as pessoas, e também são muito patriarcais e condescendentes com as mulheres.
 
 ÉPOCA – Para terminar, deixe um recado para as mulheres brasileiras.
Joumana –
Eu acredito que seria a mesma mensagem que eu sempre envio a mim mesma e às mulheres em todo o mundo: acredite em você, celebre sua força como mulher. Nunca diga: "Esse mundo é meu também, entregue-me". Em vez disso, "Esse mundo é meu, eu vou tomá-lo".



a revolução dos véus negros

13/12/2010 - 15:13 - Atualizado em 28/07/2010 - 16:04

Reprimidas por leis favoráveis aos homens, iranianas desafiam tradições e ampliam o espaço no mercado de trabalho
Anabela Paiva, de Teerã
O olhar reprovador do aiatolá Khomeini, multiplicado por retratos gigantescos, parece vigiar com especial atenção algo novo que as mulheres estão revelando por baixo de véus e mantos austeros. São os pés. Provocantemente exibidos em sandálias abertas, unhas pintadas com evidente requinte, pés à mostra são a última novidade entre jovens iranianas. Transformaram-se em símbolo da caminhada revolucionária empreendida por mulheres de negro.

O movimento, ainda embrionário, poderá modificar os rumos ditados pelo cataclismo político-religioso que em 1979 derrubou o regime que pretendia ocidentalizar o país à força - e mandou para o exílio o xá Reza Pahlevi, sua glamourosa consorte, Farah Diba, e o príncipe herdeiro, Ciro. Hoje, a distensão comandada pelo presidente Sayed Mohammad Khatami permite a aparição de uma nova mulher, que usa maquiagem, cursa a universidade, trabalha, ouve rock em fitas piratas e já assistiu ao filme Titanic. Ao volante do próprio carro, busca o tempo perdido. "Sem dúvida, a onda democrática nos beneficia", diz a cineasta Samira Makhmalbaf, uma celebridade aos 20 anos. Vencedora do Prêmio do Júri no último Festival de Cannes - concorreu com O Quadro-Negro, seu segundo filme -, Samira tornou-se o exemplo de uma geração de mulheres que driblam leis islâmicas para alcançar a ribalta. Exaustas do confinamento doméstico, elas ousam, sem jamais desafiar os aiatolás. Vivem em permanente contradição. É o caso da artista plástica Bitta Fayyazi, de 38 anos. Quando ela aparece na entrada do estúdio, no subsolo de um prédio de Teerã, descortina-se outro mundo. Sorridente, cabelos cacheados e soltos, e coberta apenas por um vestido floral, Bitta passaria por uma garota de Ipanema. Cria obras de arte audaciosas, algumas das quais denunciam a poluição que afeta Teerã. São esculturas de crianças, escoltadas por vídeos que mostram vítimas de doenças respiratórias. As instalações de Bitta não fariam feio em galeria alguma de Nova York. Educada na Inglaterra, a artista é pragmática ao tratar das dificuldades que envolvem a vida em sociedades rígidas. A censura não a deprime. "Não posso fazer nus", reconhece, "mas há muitos outros temas para abordar." Tampouco se incomoda com a hejab - costume que obriga mulheres a cobrir a cabeça e camuflar as curvas do corpo sob vestes largas. "Se tenho de esconder os cabelos para fazer meu trabalho, eu os cubro. Sem problemas", encerra. Como a maioria das jovens de Teerã, Bitta não usa o xador - túnica negra vista no Ocidente como símbolo de discriminação. Habilidosas, as iranianas contornam o rigor muçulmano usando um lenço sobre os cabelos e vestindo casacos longos sobre saias ou calças.

Na posse do novo Parlamento, no dia 27, quatro deputadas compareceram sem o xador. Como se trata de um símbolo de fé, o abandono de tal peça do vestuário pode ser entendido como crítica à vinculação entre Estado e religião. Desde o início da revolução islâmica as mulheres tiveram assento no Parlamento, embora em número tão reduzido que críticos do regime as qualificam de "disfarce" da misoginia governamental. As deputadas ainda não conseguiram derrubar uma legislação que, entre outras medidas espantosas, prevê o apedrejamento de adúlteras e permite ao homem colecionar até quatro esposas. Mas as coisas vão mudando, ainda que lentamente.  

Os iranianos começam a navegar na internet e consomem com avidez livros estrangeiros. Simultaneamente, tropeçam em normas que imperam há mais de 1.200 anos. "A lei distancia-se da realidade", constata a jornalista Farimah Sharifirad, de 30 anos. Redatora do jornal feminista Zan, banido não faz muito tempo em um pacote com outras 17 publicações alternativas, Farimah argumenta que a luta das mulheres no Irã é infinitamente mais complexa que no Ocidente. "Nossos problemas não são direitos individuais", observa. "São direitos civis. Queremos ser cidadãs." As restrições não são poucas. As iranianas têm limitados direitos de herança, não conseguem a custódia dos filhos depois da separação matrimonial e precisam de autorização do marido para trabalhar.
Realizadas três anos depois da chegada ao poder do presidente Khatami, as eleições para o Parlamento promovidas no início de 2000 garantiram aos reformistas 70% das vagas em disputa. Eles defendem a abertura política e de costumes. A deputada Elahe Koolaee, de 42 anos, da Frente de Participação do Irã Islâmico, espera que as mulheres façam a diferença. Cuidadosa com as palavras, ela admite que há muito o que mudar no Código Civil. Prefere alinhavar soluções que não arranhem os dogmas religiosos legados pelo aiatolá Khomeini. "Ele sempre defendeu a participação da mulher em todas as esferas da vida pública", diz.
Para o documentarista Maziar Bahari, a ascensão do islamismo provocou efeitos distintos sobre as mulheres, que variaram de acordo com sua classe social. As originárias da elite, com acesso a boa educação e a viagens ao Exterior, sofreram com o fim dos costumes liberais vigentes no reinado do xá. Em compensação, as mulheres mais pobres, quase sempre pertencentes a famílias fiéis às tradições muçulmanas, ganharam mais liberdade com a revolução. "Antes, elas não podiam trabalhar nem ir à escola porque esses lugares eram vistos como antros corrompidos", lembra Bahari. "Com o islamismo, a desculpa desapareceu." As estudantes configuram a maioria nas universidades: ocupam 57% das vagas nas faculdades da capital do país, calcula Elahe Koolaee. A deputada acumula o mandato com a administração da Universidade de Teerã.
É um horizonte animador se confrontado com o de um país vizinho, o Afeganistão. Depois da tomada do poder pelo grupo ultra-religioso Taleban, as escolas afegãs para meninas foram fechadas. Mulheres, não importa a idade, enfrentam um clima de constante intimidação. Ao lado de outros países do Oriente Médio, o Irã assume feições progressistas. As mulheres votam, andam sozinhas na rua, aparecem na TV e nos jornais. Apoiado maciçamente por elas, o presidente Khatami defende o trabalho feminino. Não hesitou em reprimir a ação do Basejih - a polícia moral que fiscaliza o uso de batom e interpela moças acompanhadas de rapazes.

Os horrores da discriminação

Mulheres de outros países do Oriente Médio e da África enfrentam restrições ainda mais severas

AfeganistãoMulheres não podem falar com homens na rua. Só saem sob um véu longo que lhes cobre todo o corpo. Existe uma abertura para os olhos, arrematada com tela metálica

PaquistãoMatar filha ou irmã suspeita de ter praticado sexo fora do casamento é comum e não gera delito penal. Vítimas de estupro vão para a cadeia. Os estupradores, não

SomáliaPersiste a tradição da mutilação feminina em que o clitóris e a parte externa dos genitais da menina são retirados. A cada ano, no mundo, quase 2 milhões de jovens sofrem esse ritual

BangladeshTêm sido cada vez mais freqüentes os ataques a mulheres com ácido sulfúrico.Todo ano são registradas mais de 200 agressões. Muitas nem chegam ao conhecimento das autoridades policiais

IraqueVizinho do Irã, o país tornou-se, no festival de atrocidades, uma exceção: baniu o xador (hoje só usado por camponesas) e admite mulheres em cargos de comando no governo iraquiano


A costureira Mahboobeh Garibi celebra uma nova era, embora ainda conviva com o regime de apartheid nos ônibus que cruzam a Praça Vadat, em Teerã - homens sentam-se à frente, mulheres na parte traseira. Mahboobeh aceita a divisão. "Antigamente, agentes me perguntavam por que eu usava isso ou aquilo", recorda. "Não podíamos vestir roupas claras e quase não havia funcionárias públicas", acrescenta a analista de sistemas Shiva Masboogh, de 36 anos, responsável pelo setor de informática do Ministério da Energia.
O pessimismo ainda contamina parte da juventude. Num café de Teerã freqüentado por intelectuais e artistas, uma jovem pintora refugia-se no anonimato para revelar o sonho secreto: deixar o Irã. "Quando vou comprar tintas, o vendedor insiste em falar com meu pai em vez de se dirigir a mim", protesta. Atrizes têm dificuldade de arrumar papéis. A formação do elenco feminino de um filme, por exemplo, depende de licença governamental. Rosa Giahi, de 26 anos, estudante de piano na universidade, já desistiu de atuar profissionalmente. "A mulher concertista não existe aqui", conforma-se. Rosa reclama do ritmo excessivamente lento da abertura. "Não acredito nas reformas porque não acredito no sistema", resume. "Eles estão apenas procurando amenizar a irritação das pessoas e se manter no poder. São mudanças superficiais."
Um olhar feminino no cinema

A diretora Samira Makhmalbaf, premiada em Cannes, simboliza a nova geração de iranianas

Filha de um dos maiores cineastas do Irã, Samira Makhmalbaf deixou a escola aos 15 anos para trabalhar na área em que o pai se especializara. Antes de completar a maioridade, fez o primeiro filme, exibido com sucesso no Exterior. Premiada no Festival de Cannes, falou à Época na confortável sede da produtora da família, no centro de Teerã. Surpreendentemente se cobriu com o véu. "Gosto de me vestir assim", explicou. "Isso mostra de onde venho."
Época: Seu filme A Maçã, sobre duas meninas trancafiadas pelo pai, é uma metáfora da condição feminina no Irã?
Samira Makhmalbaf: Pode ser uma metáfora para homens e mulheres do mundo. É um filme sobre a importância da comunicação. Aqui, como em muitos países, as mulheres não têm as mesmas oportunidades oferecidas a um homem para expressar idéias. Essas duas meninas não saíam de casa havia 11 anos, e por isso agiam como deficientes mentais. Já me perguntaram se o Irã é o país que mantém presa uma menina de 11 anos ou se é o país em que uma menina de 18 anos faz um filme. É o de ambas. Época: O Irã está mudando? Samira: Estamos vivendo uma onda de democracia. Há altos e baixos, mas só o fato de ter começado já é bom. Nosso país tem 70% de jovens até 25 anos, e eles têm desejos, querem se expressar. Têm esperança e querem uma vida mais alegre. Por isso sou otimista. Época: É difícil para uma mulher dirigir um filme no Irã? Samira: Pelas nossas tradições, mulheres não deveriam ser diretoras. Nem políticas. Isso é difícil em qualquer lugar. Se você acredita em você mesma, as pessoas acreditam em você. Época: De onde vem tanta confiança?
Samira: Na escola, sempre senti que os homens eram superiores. Nunca aceitei isso, e as limitações me fizeram mais forte. Em casa, meu pai nunca agiu como se fosse um ser superior a minha mãe. Nem tratou a mim e a meu irmão de modo diferente. Isso me deu confiança.

Enquanto leis milenares resistem, mulheres incluem nos contratos de casamento certos direitos - estudar, viajar ou trabalhar quando bem quiserem. A economia iraniana, corroída pela inflação, estimulou nas famílias a busca do segundo salário. "Pela tradição, o homem é o provedor da casa. Mas hoje o casal precisa se unir para o sustento", reconhece Mehrva Arvin, funcionária do Alto Comissariado para Refugiados das Nações Unidas. Na terra dos aiatolás, a lógica capitalista começa a fazer sentido. Pelo menos no orçamento doméstico.
Uma brasileira foge do jugo islâmico
Aos 24 anos, ela vive o inferno de um casamento arranjado


Eu tinha 15 anos quando fui apresentada a meu noivo, um empresário libanês duas décadas mais velho. Meu pai informou: "Ele quer casar com você". Casamentos arranjados são comuns em famílias muçulmanas. A cerimônia foi linda, festa de três dias em Beirute, onde passei a morar. Quando não estão em São Paulo, meus pais e dois irmãos também vivem lá. Felizes e orgulhosos, todos viam em meu marido o empresário influente, homem com negócios em vários países. Menos eu. Pressenti o que estava por vir. Na frente dos outros, ele me cobria de jóias. Em casa, passei por surras, abusos sexuais, clausura. Ele me torturava. Dizia que eu ficava mais bela ao sofrer. Perdi um bebê aos seis meses de gravidez e então resolvi procurar ajuda. Impressionado com as marcas que eu escondia sob as vestes, um amigo de meu marido resolveu bancar uma passagem de avião. Faz um ano que voltei ao Brasil, para a casa paterna. Meu marido sabe onde estou: numa visita, chegou a me agredir na frente de minha mãe. Mesmo assim, a família insiste em que eu volte com ele para o Líbano. Filhas separadas são uma vergonha. Não freqüento mesquitas. É com a ajuda de poucos que pretendo deixar o Brasil e recomeçar a vida. Em outro lugar.
Depoimento a Lívia Nunes

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